terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O círio pascal


Artigo publicado originalmente em
O Encontro, boletim informativo da
paróquia Coração Imaculado de Maria,
edição nº 40, de março de 2008

O símbolo litúrgico mais típico do Tempo Pascal é o círio, o qual merece que nele fixemos a atenção em serena contemplação, pois ele nos acompanha por várias semanas. Aos estarmos na igreja, olhemos atentamente para ele como transparência do mistério de Cristo, e assim ele nos instruirá a respeito de muitas coisas. O círio é, efetivamente, símbolo do Cristo que se ergue todo branco, solene, sobre o sepulcro vazio. A cera é fruto da laboriosidade e da arte sábia das abelhas. O Cristo ressuscitado, obras do Pai, foi precedido por uma laboriosa preparação, constituída de muitas intervenções, a partir já da criação, e de muitas palavras de Deus, de acordo com plano e economia realizada com sabedoria e arte.

Ao estar aceso, o círio representa o Cristo ressuscitado, aceso pelo fogo novo, símbolo da vida nova do Espírito Santo que agora, definitiva e exclusivamente, veio a pousar sobre ele. Dessa chama recebemos a luz, pois é pelo Cristo glorioso que nos é dado o Espírito, em virtude do qual somos novas criaturas. Aceso, o círio irradia luz que ilumina e aquece. A fé no Cristo glorioso nos dá a entender o sentido de todas as coisas, o sentido da vida e da morte, o modo como devemos nos comportar, e também nos comunica o calor sem o qual não se realizam os processos vitais. No escuro da igreja, na noite de Páscoa, somente a luz do círio brilha inicialmente: todos olham para ela como única esperança nas trevas. Como os olhos desejam a luz, o Cristo ressuscitado, elevado da terra, atrai todos a si. A fumaça que sobe da chama do círio representa o Cristo que sobe como holocausto que o Pai acolhe por ser a Ele plenamente agradável. O círio, a chama, e também as incisões praticadas nele nos mostram quem é o Cristo ressuscitado. Senhor do tempo (Ele ontem e hoje), Senhor do espaço (Ele princípio e fim), Senhor da comunicação (Ele o alfa e o omega, o inteiro alfabeto).

Senhor do tempo, pois tudo o que aconteceu antes dele era realizado em vista da ressurreição e tudo o que desde então acontece não constitui uma novidade absoluta, mas somente uma explicitação da vitalidade eterna do Cristo ressuscitado, pois de outra forma nada é. Esse círio é também uma coluna, que divide a história em dois tempos. Quem não se coloca no tempo de Cristo se coloca fora da eternidade, da história de Deus.

Senhor do espaço, pois todas as belezas e as maravilhas espalhadas pelo mundo são raios da sua beleza, magnificência, glória e poder. Esse círio é ainda o tronco da árvore da vida e da verdadeira videira; alcança com suas raízes e ramos os fundamentos de tudo. O mundo inteiro e todas as culturas estão repletos de suas sementes, levadas pelo vento do Espírito.

Senhor da comunicação, porque princípio primeiro de unidade e de coesão entre os homens, único elemento comum capaz de realizar um entendimento entre os que provêm de Babel. Esse círio é, por isso, uma torre que da terra se levanta e alcança o céu, torre que não divide e não dispersa, porque não é fruto da auto-suficiência e da soberba humana, mas, sim, obra da graça benevolente do Pai e da humilhação do Filho. Quem não fala a linguagem do ressuscitado mente e confunde.

Sobre o círio são cravados cinco grãos de incenso. Eles nos mostram como Jesus tornou-se Senhor: pela sua paixão e morte, sempre presentes nele nas cinco chagas que constituem desde então o único sacrifício agradável ao Pai. Liso de todos os lados, como poderíamos escalar o círio para chegar à chama? Agarrando-nos aos grãos de incenso, fazendo nosso o seu sacrifício.

Terminando a preparação do círio, o sacerdote acrescenta: A Ele a glória e o poder. A Ele a glória, pois, vivo, todas as coisas vivem da sua vida, manifestam a sua vida. A Ele o poder, pois, feito Senhor nosso, a Ele pertencemos com o mundo inteiro. Assim, o seu destino é o nosso. É mentira o que essa luz não ilumina. Ele é o Vivente, aquele que não podemos de forma alguma dispensar. Feliz quem encontra nesse poder a plena liberdade, nessa glória a perfeita alegria. Feliz quem na noite que gera todos os dias pode cantar a própria vida na vida de Cristo, quem pode fazer com a chama desse círio uma única chama.